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Sobre o 08 de março. Data de celebrar conquistas. Data de lutas e reflexões.

    Nesta quinta-feira, 08 de março, foi comemorado o dia internacional da mulher. Uma data para relembrar as conquistas e direitos pelos quais as mulheres lutaram e estão lutando há muito tempo. Ou, uma data para lojistas, floristas, empresas de cosméticos, chocolates e maquiagem. 
    Mas onde cabe a mulher nesse dia? No dia em que, teoricamente, é dela? E de que mulher estamos falando? Ou falamos de "mulherES"? No dia em que mulheres recebem felicitações, flores e mimos.   No dia. O dia. E os outros 364 dias?
    Nos outros 364 dias, o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres (Dados da ONU).
    Nos outors 364 dias, 12 mulheres são assassinadas diariamente.
    Nos outros 364 dias, 135 mulheres são estupradas diariamente. 
    Falamos de feminicídio. De machismo. Da cultura do estupro.
    Não adianta desejar feliz dia mulher e rir (fazer) piadas machistas.
    Não adianta desejar feliz dia mulher e falar/apontar uma mulher por estar usando uma roupa justa/curta/decotada.
    Não adianta desejar feliz da mulher e assediar mulheres em espaços públicos e privados (Praças, shopppings, escolas, universidades etc). É preciso saber respeitar quando uma delas diz "NÃO".
    Não adianta desejar feliz dia da mulher e achar que sabe mais sobre determinado assunto que ela. Interromper quando ela fala por pensar que sabe mais e não dar credibilidade para a fala e a escuta da mesma, simplesmente por ser mulher.
    Toda mulher merece respeito. Além de uma data de langeries e cosméticos, que possam haver mais reflexões, não só durante a data de 08 de março, mas durante os 365 dias do ano! (incluindo ano bissexto).
 Abaixo, uma crônica de Marina Colasanti para instigar reflexões.

 (Everton Tolves© todos os direitos de autoria e imagem. Mais artes do artista podem ser encontradas em sua página no instagram @desaguandotracos)
  

PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE 

     Porque os homens olhavam demais para a sua mulher, mandou que descesse a bainha dos vestidos e parasse de se pintar. Apesar disso, sua beleza chamava a atenção, e ele foi obrigado a exigir que eliminasse os decotes, jogasse fora os sapatos de saltos altos. Dos armários tirou as roupas de seda, da gaveta tirou todas as jóias. E vendo que, ainda assim, um ou outro olhar viril se acendia à passagem dela, pegou a tesoura e tosquiou-lhe os longos cabelos.
    Agora podia viver descansado. Ninguém a olhava duas vezes, homem nenhum se interessava por ela. Esquiva como um gato, não mais atravessava praças. E evitava sair.
Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se dela, permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos, mimetizada com os móveis e as sombras.
    Uma fina saudade, porém, começou a alinhavar-se em seus dias. Não saudade da mulher. Mas do desejo inflamado que tivera por ela.
    Então lhe trouxe um batom. No outro dia um corte de seda. À noite tirou do bolso uma rosa de cetim para enfeitar-lhe o que restava dos cabelos.
    Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas, nem pensava mais em lhe agradar. Largou o tecido em uma gaveta, esqueceu o batom. E continuou andando pela casa de vestido de chita, enquanto a rosa desbotava sobre a cômoda.

COLASANTI, Marina. “Para que ninguém a quisesse”.
In: Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. P. 111-2.





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