Sob a pressão do ter de parecer,
ter de participar, ter de adquirir, ter de qualquer coisa, assumimos uma
infinidade de obrigações. Muitas desnecessárias, outras impossíveis, algumas
que não combinam conosco nem nos interessam.
Não há perdão nem anistia para os
que ficam de fora da ciranda: os que não se submetem mas questionam, os que
pagam o preço da sua relativa autonomia, os que não se deixam escravizar, pelo
menos sem alguma resistência.
O normal é ser atualizado,
produtivo e bem-informado. É indipensável circular, estar enturmado. Quem não
corre com a manada praticamente nem
existe, se não se cuidar botam numa jaula: um animal estranho.
Acuados pelo relógio, pelos
compromissos, pela opinião alheia, disparamos sem rumo – ou em trilhas
determinadas – feito hâmsteres que se alimentam de sua própria agitação.
Ficar sossegado é perigoso: pode
parecer doença. Recolher-se em casa ou dentro de si mesmo, ameaça quem leva um
susto cada vez que examina sua alma.
Estar sozinho é considerado
humilhante, sinal de que não se arrumou ninguém – como se amizade ou amor se “arrumasse”
em uma loja. Com relação a homem pode até ser libertário: enfim só, ninguém
pendurado nele controlando, cobrando, chateando. Enfim, livre!
Mulher não. Se está só, em nossa
mente preconceituosa é sempre porque está abandonada: ninguém a quer.
Além do desgosto pela solidão,
temos horror à quietude. Logo pensamos em depressão: quem sabe terapia e
antidepressivo? Criança que não brinca ou salta nem participa de atividades
frenéticas está com algum problema.
O silêncio nos assusta por
retumbar no vazio dentro de nós. Quando nada se move nem faz barulho, notamos
as frestas pelas quais nos espiam coisas incômodas e mal resolvidas, ou se
enxerga outro Ângulo de nós mesmos. Nos damos conta de que não somos apenas
figurinhas atarantadas correndo entre casa, trabalho e bar, praia e campo.
Existe em nós, geralmente nem
percebido e nada valorizado, algo além deste que paga contas, transa, ganha
dinheiro, e come, envelhece, e um dia (mas isso é só para os outros!) vai
morrer. Quem é esse que afinal sou eu? Quais seus desejos e medos, seus
projetos e sonhos?
No susto que essa ideia provoca,
queremos ruído, ruídos. Chegamos em casa e ligamos a televisão antes de largar
a bolsa ou pasta. Não é para assistir a um programa: É pela distração.
Silêncio faz pensar, remexe águas
paradas, trazendo à tona sabe Deus que desconcerto nosso. Com medo de ver quem –
ou o quê – somos, adia-se o defrontamento com nossa alma sem máscaras.
Mas, se a gente aprende a gostar
um pouco de sossego, descobre – em si e no outro - regiões nem imaginadas,
questões fascinantes e não necessariamente ruins.
Nunca esqueci de quando alguém
botou a mão no meu ombro de criança e disse:
- Fica quietinha, um momento só,
escuta a chuva chegando.
E ela chegou: intensa e lenta,
tornando tudo singularmente novo. A quietude pode ser como essa chuva: nela a
gente se refaz para voltar mais inteiro ao convívio, às tantas frases, às
tarefas, aos amores.
Então, por favor, me deem isso:
Um pouco de silêncio bom para que eu escute o vento nas folhas, a chuva nas
lajes, e tudo o que fala muito além das palavras de todos os textos e da música
de todos os sentimentos.
Lya Luft em Pensar é transgredir.
9ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.
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